Cairo

Múmias e antiguidades do Museu Egípcio do Cairo

Pensa num museu que mesmo decadente (e até mesmo certo ponto mal cuidado mesmo), mas que mesmo assim você se sente profundamente obrigado a ir pela importância e singularidade do que se tem ali exposto. Esta é a melhor definição que veio à minha cabeça ao fim da visita ao Museu Egípcio do Cairo. Oras, em que outro lugar você consegue ver tantos artefatos do Egito Antigo e múmias importantes dos tempos blíblicos?

Por mais que o museu tenha seus defeitos conforme relato abaixo, para quem vai ao Egito pela riqueza histórica do país (acho que todo mundo!), este é um passeio essencial.

Museu egípcio do Cairo

Antes de mais nada uma observação. Talvez na data em que você estiver lendo este post o Museu Egípcio já tenha sido transferido para o Grande Museu Egípcio, ou simplesmente GEM, que para quem não sabe, é um enorme complexo que promete ser o maior museu de egiptologia do mundo.

Mas como o acervo será no mínimo o mesmo e provavelmente até melhor, vale já espiar o que você encontrará em termos de artefatos no GEM.

O museu está sendo construído ao lado das Pirâmides de Gizé e já era para ter ficado pronto faz um bom tempo. Mas a Primavera Árabe e a subsequente crise econômica do Egito simplesmente drenou os recursos financeiros – só para você ter uma ideia já gastaram US$ 1.1 bilhão até o momento.

Antes de ir ao Egito eu tive uma reunião com o cônsul egípcio em São Paulo e ele me disse que a estimativa é que ele seja aberto entre 2020 e 2022, mas tenha em mente que ele está em construção desde 2002…

O que posso te garantir é que será algo faraônico, literalmente.

Espero que quando da sua visita já esteja aberto. Ai você me conta, combinado?

Bem, seja por conta do GEM ainda não estar aberto na data deste post, seja porque lá futuramente você verá as mesmas (e mais) peças que estão hoje no Museu Egípcio, vale mostrar para vocês aqui este antigo museu.

Antes de falar dele em si, uma observação: infelizmente ele não está tão bem conservado quanto mereceria. Ele está praticamente do mesmo jeito como quando inaugurado em 1902. Muitas das peças estão ao alcance das mãos dos visitantes, não existem lá muito e boa informação sobre muitas das peças, e por ai vai. Fora isso, há itens que estão guardados desde muito tempo por falta de espaço para expor.

Some ainda que as pessoas acham que o sarcófago é mesa de apoio…

Duas situações explicam isso. A primeira é que que os esforços estão concentrados hoje no GEM – durante a nossa visita, alguns itens menos relevantes já estavam aparentemente embalados. Segundo é que o museu sofreu muito com as manifestações da Primavera Árabe, sendo inclusive vandalizado.

E por fim, algo que você deve já saber é que muitas das relíquias egípcias desde longa data não estão na posse do Egito.

Se você já esteve no Louvre ou no Britsh Museum em Londres já deve ter notado que lá existe uma enorme quantidade de itens do Egito Antigo que foram praticamente saqueados. Bem, de fato alguns foram espólio de guerra, outros vendidos a preço de banana.

Mas lá por 1858, o sultão que governava o Egito proibiu a comercialização destes itens e salvou dos gringos alguns itens importantes.

Portanto, por mais que você ache interessante o que verá no Museu Egípcio, saiba que é apenas uma pequena parte do que foi achado.

Pensando apenas em termos de extensão e riqueza do que está ali exposto, não é exagero comparar ele ao Louvre no sentido de quanto tempo você precisaria para conhecer ele. Tem gente mais ligada no assunto que consegue passear fácil dois dias pelos seus corredores.

Certamente a maior coleção de artefatos do Egito Antigo que existe.

Você viajante que não tem tanto tempo vai precisar programar a sua visita escolhendo as prioridades que quer ver. Dizem que o legal seria ver as coisas mais famosas e depois voltar para ver as salas menos concorridas.

Mas o que tem lá? Olha, literalmente tudo quanto é objeto relacionado ao Egito Antigo e seus faraós: jóias, múmias (tanto humanas quanto de animais), mobiliário, estátuas, roupas e muito mais.

No piso térreo você encontra na artefatos do primeiro faraó (Narmer) que teria unificado em 3.100 a.C. os reinos do Egito Superior e Inferior, o que é considerado como a fundação da civilização egípcia e aquilo que se convencionou chamar de 1ª. Dinastia.

Apenas para pontuar, o Egito Antigo teve mais de 170 governantes e 30 dinastias em seus mais de 3.000 anos de história.

Tutankamon

Na linha de priorizar aquilo que é mais importante, sugiro você seguir direto para o primeiro andar para visitar a Tutankhamun Galleries.

Para quem não sabe, Tutankamon (Tut para os mais chegados!) foi um jovem faraó que governou por apenas 19 anos, entre 1336 e 1327 a.C., ou seja, mais de 3.000 anos atrás.

Olha o Tuta ai! Só não conseguir saber se a estátua teria o tamanho real dele.

Um dos itens mais belos da coleção é esta estátua de Anúbis, o Deus Chacal.

A figura do Anúbis está presente em muitos sarcófagos e tumbas.

Ele é o faraó mais famoso do Egito. Nem tanto pelo seu reinado, já que entre tantos governantes, muitos se destacaram por grandes feitos.

A relevância sobre Tutankamon e o que justifica muito daquilo mostrado no Museu Egípcio está no fato de que a sua tumba foi, até hoje, a única que estava absolutamente intacta em todos os seus aspectos quando descoberta.

Após a sua morte em 1327 a.C., ela sobreviveu a saqueadores até ser encontrada em ‎4 de novembro de 1922 por ‎Howard Carter. Ela não estava situada dentro de uma pirâmide, mas sim no que se convencionou chamar de Vale dos Reis em Luxor em uma posição que ficou conhecida como KV62.

Não deixe de conferir a foto da sala 45 que mostra em detalhes como era originalmente a tumba dele.

KV62. Seria Tuta um acumulador?

Na KV62 acharam nada menos que 5.000 itens. Hoje se eu juntar tudo o que tenho em casa, contando muidezas não dá uma fração disso.

Como você verá nas salas 7 e 8, os seus bens e corpo estava guardado em uma série de caixas douradas, uma dentro da outra, como um jogo de montar. Repare que elas estão expostas na sequência justamente para que você possa notar este fato curioso.

Caixas e mais caixas. Os faraós criaram o conceito de matrioska!

A última é enorme!!!

Um item importante exposto é o seu trono coberto com ouro e detalhes de leão.

Repare só na riqueza de detalhes.

O trono de Tutankamon.

Na mostra dos bens de Tut, você encontra itens inusitados, como por exemplo o seu (rústico) guarda-roupas e alguns de seus 47 pares de chinelos – praticamente uma centopéia.

Sandálias do Tutakamon.

Na sua tumba existiam várias imagens de deuses locais e centenas de shabti ou servos que deveriam atendê-lo na próxima vida.

Se olhando toda esta quantidade de itens você imaginou que Tut era um acumulador, saiba que a despeito da ideia de que os faraós levavam para a “outra vida” tudo o que precisavam, alguns historiadores acreditam que parte dos pertences da tumba sejam na verdade de seus sucessores e tenham sido colocados lá após a sua morte para serem “esquecidos”.

Na tumba, além da sua múmia, foram encontrados itens super importantes para entender a história do Egito. Lá existia de tudo. De cama até chinelos. Porém, o item ícone mais conhecido da tumba é a sua máscara mortuária que fica exposta na super protegida sala 3 onde fotos não eram permitidas. Agora as autoridades estão permitindo em prol da promoção nas redes sociais.

A famosa máscara mortuária de Tutancâmon.

Além do alto valor da máscara que é inteira em ouro, ela tem um valor icônico. Está meio que como a Monalisa está para o Louvre, sacou? O que posso lhes dizer que olhar para algo tão significativo em termos históricos arrepia!

Pesando 11kg, ela é de ouro maciço e é coberta por pedras preciosas.

Recentemente, em 2015, a máscara teve que ser restaurada porque durante uma manutenção local, ela simplesmente caiu no chão.

Praticamente a Monalisa do Egito (palavras da Sra. Cumbicona), de tão icônica.

Nesta mesma sala você encontra os dois sarcófagos ornados com ouro nos quais, como uma matrioska, seu corpo repousava. Ao todo eram 3, sendo que o menor deles pesa mais de 100kg. O terceiro, pedra e mais externo, ficou no Vale dos Reis.

Um dos sarcófagos de Tutankamon

Uma coisa que pouca gente sabe é que Tut em 2010 passou por exames de DNA para tentar descobrir alguns detalhes que a tumba não esclareceram.

Quem foram seus pais e do que ele morreu? A questão da morte é a mais intrigante, já que ele morreu muito cedo, aos 19 anos.

Os testes mostraram que ele era neto de Amenhotep III e da Rainha Tiye, bem como que seus pais seriam Akhenaten e uma irmã de Akhenaten.

Isso trouxe um problema, já que além de Tut, o casal teve uma série de gestações que não evoluiram justamente por conta de problemas deste casamento entre irmãos. Os fetos foram encontrados na tumba.

Mas do que ele morreu a final? Os testes indicaram que a causa da morte foi malária, uma doença que até hoje mata muitas pessoas. Tem coisas que nem 3.000 anos mudam.

Olha só outros itens inusitados:

PlayStation do Egito Antigo!
Caixas ricamente ornamentadas.

Olha só a riqueza do trabalho manual.

Sabe aqueles leques que se vê nos filmes?
Pelo tamanho da cama, ou ele tinha baixa estatura, ou dormia com o pé para fora. 🤣

Ainda no primeiro andar, dê uma espiada nas salas 53 e 54, já que ali estão as múmias de vários animais. Mas qual o motivo para mumificar animais? Poderia ser desde um bicho de estimação que você queira levar para a sua vida enterna até homenagem à algum deus egípcio.

Múmias de verdade!

Hora de seguir para as salas 56 e 46, onde está o Royal Mummies Halls que expõe as múmias de fato.

Nesta sala você encontra faraós e rainhas da 17ª à 21ª dinastia, o que representa os anos de 1650 a.C. à 945 a.C. Fotos lá são terminantemente proibidas.

A mostra é impressionante já que nenhum outro lugar tem tantas múmias. Estão todas individualmente apresentadas em “aquários” onde a temperatura constante é de 22ºC e um rígido controle de umidade.

Olhando as múmias, fica até difícil acreditar que são pessoas que morreram mais de 3.000 anos atrás e ainda estão assim tão bem conservadas.

Mas como era o processo de mumificação?

Durante o processo, muitos órgãos eram removidos para sem utilizados depois pelo mumificado. Isto demonstra o conhecimento avançadíssimo para a época que os egípcios tinham sobre anatomia humana. E pensar que tudo isso foi sepultado (sem qualquer trocadilho), pela ignorância das civilizações subsequentes.

Retirado e guardado onde? Em jarros e vasos.

Os órgãos vitais eram guardados em jarros.

Por isso, quando você passar por um jarro ou vaso no Museu Egípcio, saiba que aquilo não é uma obra de arte qualquer, mas sim o recipiente utilizado para guardar um pulmão, um rim ou sabe-se lá o que.

Depois disso o corpo era seco em sal, passava por um banho de óleo e especiarias, até ser finalmente enrolado em linho.

Uma primeira camada de tecido era feita no formato do corpo.

O próximo passo era colocar as ataduras.

Feitas as amarras, colocava-se a máscara mortuária conforme o caso.

E em muitos casos eram utilizados vários sarcófagos, um dentro do outro.

Repare bem nos detalhes das múmias, desde os adereços até mesmo alguns ferimentos que revelam como as pessoas morreram. A de Seqenenre Taa II tem um grave ferimento no crânio e o braço torcido/quebrado, o que certamente denota uma morte violenta.

Algumas múmias tem danos que nem são decorrentes do tempo não. Era muito comum o furto por saqueadores (medo e respeito zero, né?) e outras movidas de suas tumbas para outros lugares sem os devidos cuidados.

Uma das múmias mais bem preservadas lá é a de Ramses II. Os estudiosos foram capazes até mesmo de identificar que seu cabelo tem tintura de rena.

Múmia de Ramsés II. Para mais de milênios de velinhas apagadas ele tá super bem! (Créditos: Wikipedia)

Ah, uma pausa aqui: olhe bem para a múmia de Ramses II, filho de Seti. Se você assistiu ao filme de Ridley Scott, que conta a saga de Moisés e dos judeus fugindo do Egito a caminho da Terra Santa, saiba que você está olhando para um dos personagens chave desta história.

Sim, muito provavelmente esta seja a única oportunidade que você tenha de olhar diretamente para um personagem bíblico!!! Fala se este não é um lugar animal?!?!?

Agora se ele de fato suportou as 10 pragas do Egito é outra história.

Não sei se vocês já olharam bem as representações dos faraós e rainhas, mas eles eram muito vaidosos e já usavam naquela época vários tipos de maquiagem. Imagina o faraó montando o look do dia???

Outras importantes figuras que estão lá são Seti I; Amenhotep II; Ramses e Ramses III.

Nesta sala sempre estão os guardas do museu que ficam pedindo para os visitantes manterem silêncio em respeito. Até pequenos sussuros são repreendidos, embora eles mesmos não cumpram muito esta regra.

Se você viaja com crianças, talvez seja uma sala à evitar com os pequenos porque algumas múmias são dignas de filmes de terror. No nosso caso, como temos um viajante corajoso que é maluco este tipo de coisas, deixar ele fora seria quase que pior do que deixar ele do lado de fora da Disney.

Eu jamais poderia imaginar que o pequeno iria se interessar tanto sobre o tema Egito Antigo.

Olhando os objetos expostos no museu, talvez você esteja sentindo falta de um conhecido item: a Pedra Rosetta. Para quem não sabe, ela foi a “chave” para traduzir os hieroglifos para a nossa linguagem, possibilitando entender parte considerável deste universo até então desconhecido e perdido na história.

Lembra que falei daquela pilhagem que alguns países fizeram no passado? Então… Agora elaestá no Museu Britânico de Londres, sobrando para o Egito uma réplica que fica perto da entrada, na sala 48.

Já se preparando para o que você verá nas Pirâmedes ou refletindo o que você viu lá, não deixe de conferir a sala 37 que mostra alguns dos pertences encontrados em Gizé, especialmente a cadeira, cama (também uma de armar – egípcios antigos acampavam!) e uma caixa de joias que pertenceram à Rainha Hetepheres, mãe de Khufu (Quéops).

O curioso é que a única representação dele mesmo é uma pequena estátua (8cm). Algo insignificante para quem mandou erguer a maior pirâmide da história.

Se você gosta de ouro e jóias, dê uma espiada na sala 4 que tem vários pertences do tipo de vários faraós. Acho que nunca vi tanto ouro em um lugar só.

É ouro que não acaba mais!

Vai umas luvas e meias de ouro? Que tal uma sandália?
Um dos itens mais tradicionalmente retratados são os escaravelhos.

E algumas peças são incrivelmente bem trabalhadas.

Outra coisa legal é reparar em mostras de coisas mais triviais. Os egípcios já usavam coisas mega avançadas para a época. Confira ai alguns exemplos:

Carimbos porque eles tinham uma excelente organização do Estado (aliás a primeira!).
Espelho era algo comum para os faraós.

Tinham até próteses médicas.
Elas já usavam maquiagem.

Saindo do museu, note que existe à esquerda uma tumba. Ela pertence à Auguste Mariette (1821–81) um dos arqueologistas mais famosos que já trabalhou no Egito. Nela há o busto de outro famoso explorador: Jean-François Champollion, aquele que decodificou os hieroglifos a partir da Pedra Rosetta.

Dicas para visitar o museu

Museu Egípcio do Cairo

Filas. Prepare-se para elas. É fila para comprar ingresso, para passar no raio-x, para isso, para aquilo. Eu sei que disse anteriormente que era para você deixar para visitar atrações assim quanto o sol estiver mais quente, mas dependendo do seu ânimo para filas, talvez seja melhor ir logo que ele abre para evitar a multidão.

Algo que incomoda também é o fato de que não são fornecidos mapas do museu. A alternativa é fotografar o mapa exposto na entrada e consultar no celular:

Mapa? Só o exposto na entrada.

A infraestrutura de serviços não é nenhuma maravilha, mas tem o essencial: banheiros; lojinha de souvenires e lugar para um lanche rápido.

Loja de souvenires.
A lanchonete fica do lado de fora do edifício.

Às portas do museu, muito provavelmente você será parado por algum local se dispondo a ser seu guia no museu. Cobrando LE 100/hora, pode ser uma boa ideia se você tem um interesse mais profundo no assunto e tempo disponível.

O museu fica na Praça Tahrir (metrô Sadat) e abre de segunda à quarta das 9h00 às 17h00, até 21h00 no domingo e quinta e até 16h00 às sextas e sábados. O ingresso custa LE 180/90 adulto/criança e cobram à parte a sala das múmias reais (LE 150/75 compra-se perto da sala 56) e também uma permissão especial para fotos LE 50 que você compra logo na entrada (se você não comprar, sua máquina terá que ficar no guarda volumes).

 

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Diogo Avila

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