Crônica

Turismo de tragédia: Por que visitar lugares inusitados?

Muito provavelmente você deve ter visto nos útlimos tempos fotos no Instagram de gente que foi conhecer Pripyat, uma pequena cidade nos confins da então União Sóviética (hoje Ucránia) que ficou infelizmente famosa por conta do incidente em sua usina nuclear Chernobyl. E talvez você tenha se perguntado se isso é turismo mesmo, ou o que leva as pessoas a quererem conhecer um lugar assim. É o tal turismo de tragédia, como dizem.

A série de TV da HBO que retrata muito bem o maior desastre nuclear da história repercutiu bastante na mídia e acendeu um debate inclusive ético sobre o que se tem chamado de turismo de tragédia.

Isso é turismo mesmo? O que leva as pessoas a visitar um lugar assim? É certo visitar lugares que foram palco de eventos tristes da história? Qual o papel destes lugares hoje? Estas são apenas algumas das questões sobre o tema.

A primeira vez que me deparei com uma situação assim foi em Pompéia
Onde população foi dizimada pelas cinzas do Vesúvio

Sem adentrar na questão de gosto, já que é igual à…, cada um tem a sua, acho que vale expor algumas ideias sobre o tema.

Por mais que isso esteja super na pauta e tenham dado um nome para tanto, nome este que eu não gosto, o fato é que não é de hoje que as pessoas visitam lugares assim.

E aposto que você ai do outro lado ou já visitou um lugar mais ou menos neste estilo, ou pretende conhecer. Não? Ah, dobro a aposta! Tenho certeza que ao menos inconscientemente você já esteve em um lugar que pode perfeitamente ser enquadrado no Turismo de Tragédia.

Quer ver só?

Muitos visitam o Coliseu sem dar conta de qual era o seu nefasto propósito.

Quem ai nunca sonhou em ver de perto o Coliseu? Mas você já parou para pensar que ele nada era mais do que o palco para “shows” ou “jogos” que eram basicamente bestas vs. homens (em sua maioria cristãos inocentes?). Acho que poucos visitantes se dão conta disso ao admirar uma das principais construções do Império Romano.

Ah, mas ai faz tempo… Isto é relativo, vida é vida e história é história pouco importa quanto tempo passe.

Quer outros exemplos?

Prisões como Alcatraz e Kilmainham Gaol, ambas tidas como duas grandes atrações nas suas cidades, mas que foram palcos de histórias incrivelmente tristes.

E as tragédias particulares ou lugares “macabros” então? Praticamente todo mundo que visita pela Buenos Aires dá uma passada para ver o Cemitério da Recoleta? E as visitas ao monumento na Ponte de l’Alma em Paris perto do túnel onde a Princesa Diana morreu?

Cemitério da Recoleta,
Monumento (adotado) em homenagem à Lady Di.
Prisão de Alcatraz

Ou seja, antes de criticarmos, temos que ter ciência de que isso é mais comum e aceitável do que imaginamos, claro que guardadas as devidas proporções.

E quando digo guardadas as devidas proporções, estou me referindo ao fato de que a única coisa que separa Pripyat-Chernobyl das demais atrações que menciono neste post é o fato de lá há um real risco à sua saúde. E já deixo o meu ponto de vista: nada justifica o risco de ser contaminado por radiação. Sra. Cumbicona, fica tranquila que não tá na lista de destinos!!!

O que leva as pessoas a quererem conhecer um lugar destes?

Aos olhos de alguns menos atentos o desejo por conhecer lugares assim pode soar como um simples gosto pelo mórbido ou puro mau gosto.

Ok, é verdade que pode haver um visitante ou outro que está ali por um gosto assim. Mas penso que a maioria visita lugares que foram palco de tragédias simplesmente pelo gosto pela história, para ver de perto e entender o que de fato aconteceu ali.

Aqui faço uma auto-defesa em nome de quem visita atrações assim. Quem me conhece mais de perto ou já leu mais atentamente alguns posts aqui do Cumbicão deve ter notado que eu literalmente amo história e adoro aprender sobre a cultura e os costumes locais. E neste contexto eu jamais perco a oportunidade de visitar uma atração que tenha uma forte carga histórica, seja ela qual for.

Voltando alguns anos no tempo, na nossa Lua de Mel, resolvemos (ou melhor eu resolvi) fazer um giro pelo Leste Europeu com uma parada em Paris (só para suavizar…). Logo que defini o roteiro, vi que havia no meio do caminho algo que chamou a atenção: Auschwitz e Birkenau, o famoso campo de concentração nazista construído na Polônia. Super romântico para conhecer na Lua de Mel…

Acho que de todos os lugares, o mais impactante foi Auschwitz.

Claro que não resisti e fizemos um bate-e-volta para conhecer o lugar que foi preservado praticamente integralmente como encontrado em 1945 com o fim da Segunda Guerra Mundial.

A experiência foi fantástica sob o ponto de vista de aprendizado. E quando digo isso, estou falando é claro da questão histórica, mas também pessoal, já que foi a primeira vez que tive um contato assim tão direto com um fato histórico tão escabroso quanto o holocausto. É aquela coisa de que ouvir falar e ler é uma coisa, estar lá é outra.

Há também o aspecto íntimo. Longe de parecer clichê, sabe aquela coisa de visitar um lugar e ver de perto uma realidade que te muda? Que te mostra o quanto o ser humano pode ser cruel e de outro lado de deixa uma mensagem clara: homo sapiens, nunca mais façamos isso !!!

Lembro que voltamos de lá até Cracóvia (a nossa base) calados no trem. Literalmente chocados. Demorei um tempão para digerir tudo aquilo e escrever o post que é um dos meus favoritos aqui no Cumbicão, já que foi escrito com o coração pulsando nas teclas.

Entendo perfeitamente que algumas pessoas não gostem de atrações assim, respeito todos os argumentos que podem me apresentar.

Mas apagar os vestígios da história e proibir que as pessoas visitem tais lugares muda o passado!

Museus como o da Guerra do Vietnã em Ho Chi Minh nos ajudam a entender o outro lado da história.

Defendo que lugares assim, sejam eles museus ou simples memoriais devem ser mantidos em respeito àqueles que sofreram com os acontecimentos do passado, mas também para perpetuar para as gerações futuras para que não reincidam nos mesmos erros.

Como se portar em lugares assim? Ah, aqui é que a coisa pega para muita gente. Vá a um lugar destes e olhe ao redor. A quantidade de gente que se porta mal é considerável. Uma pena.

Já defendi que as pessoas devem ter uma atitude mais ética viajando, abstendo-se de ser um viajante mala, tanto já no destino quanto a bordo (confira as nossas dicas de etiqueta a bordo).

Vale então também expor a conduta dos turistas. Recentemente as autoridades da Polônia reclamaram (com toda razão) de turistas tirando fotos fazendo graça nos trilhos diante de Birkenau, o qual levou milhares à morte certa. 🙁

Trilhos que levaram milhares à morte em Birkenau

Não sei bem se é por falta de edução ou noção, o que no final dá no mesmo, tem muita gente que chega a lugares assim firando selfies sorrindo, como se estivesse na Disney. Nada contra tirar uma foto sua lá, mas tenha ao menos a dignidade de pensar em como fazer isso de forma criativa e principalmente respeitosa. Uma foto por exemplo, olhando de forma pensativa pode ser muito mais impactante e legal, já que representa a realidade local, do que uma macaquice inadequada para o lugar.

Eu fico indignado com tal postura pois acho inadmissível que a pessoa não se sensibilize com a história local. Anos atrás, quando nem existia o memorial atual e as fundações do “novo” World Trade Center ainda estavam no começo, tive a oportunidade de conhecer o que se convencionou chamar de Marco Zero.

Já quadras antes de chegar lá dava para notar que o clima, a vibe agitada e barulhenta de NY havia cessado. Um silêncio tomou conta de tudo e caras mais fechadas eram vistas por todos os lados. Era como um enorme luto.

O mínimo que você precisa fazer em lugares assim é respeitar a memória dos que se foram e a dor alheia.

E vocês? Qual a sua opinião sobre conhecer lugares assim? Já foram a algum? Conta para a gente.

Diogo Avila

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